segunda-feira, 22 de julho de 2013

Relato de Parto - VBAC* Domiciliar - Hellen e Levi

Relato de Parto - VBAC* Domiciliar - Hellen e Levi

* Vaginal birth after cesarean ou seja, parto normal depois de cesárea.

Na minha primeira gestação em 2009, eu engravidei depois uns 15 dias de relacionamento com uma pessoa que eu mal conhecia. Costumo dizer que foi uma puta sorte: podia ter sido um encontro de azar com um cara bizarro, mas não, minha linha do destino cruzou com a dele e ele era O cara. Eu tinha acabado de completar 22 anos e minha mãe disse que eu fosse ter aquela criança em qualquer lugar, mas lá não. Thiago me tirou de lá em 2 dias, arranjamos um lugar pra morar uma semana depois e toda a convivência girava em torno de nos conhecermos.

Desde o início eu perambulava pela GPM do Orkut, lia muita coisa e ficava boiando por aí. Fui indicada pra um médica que tinha feito as duas cesarianas da minha cunhada (estava prestes à fazer a terceira) e era chefe de plantão da maternidade que meu cunhado que é enfermeiro trabalha. Conversei com ela à respeito do meu desejo por um parto normal, e ela só me dizia: “Ainda é cedo pra pensar nisso.” Gravidez basal, 1000 ultrassons, tudo dentro dos conformes. Quando eu paro pra pensar, é bem claro que eu queria querer um parto normal, mas todos os poréns fizeram com que não passasse de uma vontade vaga, uma simpatia pela causa, eu não tinha fundamento, eu não sabia o que era uma cesárea e muito menos do que meu corpo era capaz. Eu era uma menina. Quando às 38 semanas a médica me disse: “Vamos marcar pra segunda?”, só tive uma sensação: vazio. Não dei resposta e fui pra casa pensar em outras possibilidades. E quais eram elas? Não conseguia enxergar nenhuma. Thiago disse que a decisão era minha, ele me apoiaria, como se me dissesse: “Me desculpe, não posso decidir isso por você.” Eu não tinha plano de saúde, nem dinheiro, a médica estava me oferecendo a cesariana numa bandeja, com horário marcado, com meu cunhado acompanhando a cirurgia. O esquema estava todo armado. O que eu ia querer? Ir pra vários hospitais, não achar vaga, entrar sozinha, sofrer, não ter ninguém por perto? Eu não tinha coragem pra bancar um parto sozinha. Tive medo. Medo da dor, da solidão, dos maus tratos, do desconhecido. Agendei. Não fiquei feliz, nem triste. Aquela sensação de vazio permanecia, e eu tinha uma leve sensação de não estar fazendo exatamente a coisa certa, mas ao mesmo tempo não ter outra alternativa fez a coisa parecer toda muito correta e racional. Eu racionalizei, coloquei dentro das conveniências o nascimento da minha filha.

Na segunda bem cedo cheguei na maternidade no horário combinado. Me despedi de Thiago na recepção, com a sensação de estar sendo levada pra longe de tudo que eu mais queria: meu marido perto de mim. Não consegui chorar. Entrei com minha mãe e 15 minutos depois eu me despedia dela pra ir pro pré - parto. Nesse trajeto eu desabei sozinha. Foi um choro intenso, tão angustiado! Como eu me sentia desamparada! Mal deu tempo de deitar na maca do pré - parto e vieram me buscar. Anestesia, campo, braços amarrados, eu já sabia tudo que estava pra acontecer. E pra mim não estava acontecendo nada, absolutamente nada. Eu não sentia, não ouvia, minha cabeça latejava e o estômago dava voltas. Ouvi um chorinho distante e depois de séculos me apresentaram durante segundos para um bebê e foi cruel: meu vazio, meu desamparo, minha sensação de algo faltava foi maior do que nunca. Aquela emoção que todas descreviam, eu não tive. Sentia como se algo mais ou menos tivesse acontecido, mas nada de especial. Era um vácuo, uma ausência que eu não soube identificar do quê.

Subimos pra quarto e a rotina de visitas das 14 às 17 começou. Foram 5 dias de internamento, longe de casa, longe da pessoa com quem eu deveria estar vivendo tudo aquilo; o pai, meu companheiro, que vinha protocolarmente nos visitar durante as 3 horas. Eu parecia um zumbi, não dormia, tinha de andar pra pegar fraldas, pra pegar água, não tinha ninguém pra conversar, ninguém pra cuidar de mim e eu tinha de cuidar do bebê. Sentia dores horríveis pra subir e descer daquela maca que foi projetada pra quem pelo amor de Deus?! Como colocam aquela coisa de dois andares pra gente subir e descer toda costurada, sem apoio? O leite demorou pra descer e as enfermeiras só diziam: “Vixe, a coisa tá feia!” Tive uns coágulos e não sei por que, elas apertaram minha barriga diversas vezes e eu sentia dor, muita dor. Durante uma madrugada saí no corredor pra pegar fraldas e dei de cara com uns policiais fortemente armados por que uma mulher, tinha parido e jogado o bebê fora, ia ser levado sob custódia do quarto em frente. Depois do 3º dia eu só chorava, queria ir pra casa, odiava aquele lugar. 

Quando Thiago chegava pra visita eu chorava muito, queria fugir dali, nunca tinha me sentido tão sozinha, ficava horas sem ninguém, os dias eram intermináveis... A dor foi minha companheira durante dias a fio. Junto com ela veio um inchaço súbito enorme. Meus pés, minha barriga, tudo ficou o dobro do tamanho de quando eu ainda estava grávida. Meu corpo rejeitou aquela intervenção de todas as formas. E eu só pensava obsessivamente que no outro dia eu iria embora, e como essa hora nunca chegava, fui ficando psicologicamente cada vez mais fragilizada: além das dores físicas, a dor da separação me doía demais. Fui pra casa e tive vários surtos: tive crises de pânico, fiquei alguns momentos sem reconhecer o bebê, uma infelicidade tão grosseira se instalou em mim. Tudo isso só passou com uma compreensão, amor e paciência que ninguém no mundo jamais poderia me dar, só Thiago. Ele me pediu pra procurarmos ajuda diversas vezes, mas eu não queria. Foi muito claro que aqueles dias tão frios no hospital foram o estopim da minha angústia. No meu corpo uma cicatriz grossa, profunda e na minha alma a lembrança daqueles dias tristes, vazios e sem significado perduraram no silêncio durante um bom tempo.

Fiquei grávida de novo em 2011. Não poderia ter momento pior. Estávamos passando pela pior crise conjugal da história deste casal. Lembro que quando eu fui pegar o Beta, chorei muito. Olhava pra Maria Flor e achava ela ainda tão pequena, meu Deus... Financeiramente já havíamos passado por período pior, mas estávamos longe da estabilidade. A notícia caiu como uma bomba na família, ninguém ficou feliz. Minha mãe ficou agindo como se nada tivesse acontecido, era um bebê inexistente. Comecei então a ler, conhecer histórias de outras mulheres que haviam passado por histórias terríveis, de partos roubados, de violências absurdas. Aos poucos, muito lentamente, alimentado por cada relato, o desejo de parir nasceu em mim. Eu queria aquilo. Eu tinha direito a vivenciar meu parto. Não ia deixar que a ignorância roubasse isso de mim, não ia deixar que ninguém me impedisse, principalmente eu mesma. Eu li sobre parto todos os dias desta gestação. Esse conhecimento me movia e eu tinha certeza de que esse era o caminho. Foi quando eu percebi: se eu não soubesse exatamente o que fazer, provavelmente alguém iria fazer tudo por mim.

Fui atrás da primeira possibilidade: uma enfermeira obstetra para um parto domiciliar. Fui conhecê-la, conversamos, Thiago gostou muito dela e eu fiquei feliz. Quando o ano virou a bomba caiu no meu colo: a EO não poderia nos acompanhar. Enfrentei um luto longo, não sabia o que fazer e não conseguia me mobilizar em torno de nada.

Num domingo tive uma crise de dor abdominal absurda, achei que fosse gastrite, mas aquilo doía demais! Marquei uma gastro e descobri muitos cálculos minúsculos na vesícula. A GO que ainda estava me acompanhando foi totalmente contra operar no 5º mês, a gente tinha de esperar nascer. Durante um mês fui parar na emergência umas 6 vezes, era medicada, voltava pra casa, em ciclos. Emagreci 5 kg. Minhas enzimas hepáticas alteraram muito, tive mais uma crise, um cirurgião resolveu me operar: eu não aguentava mais, eu já nem comia e só queria que aquilo acabasse. A GO dizia: “Hellen, se acontecer alguma coisa, é um aborto.” Mas tudo indicava que esperar seria pior. Operamos. Dr. João Ettinger, muito obrigada pela coragem em intervir! Ficamos bem. O tempo foi passando, resolvi sacudir a poeira por que o relógio não ia me esperar. Fomos conhecer a Casa de Parto Natural, mais uma negativa. E aí Maria Flor teve pneumonia. Ficamos internados juntos com ela, eu perambulava pelo hospital com um barrigão de 7 meses, ainda tinha de trabalhar, não sei como eu aguentei... Ela perdeu o acesso umas 6 vezes, o hospital se recusou a colocar ela na bomba de infusão, fui brigar no convênio, briguei no hospital, ela chorava, eu chorava muito, quase enlouqueci. Sim, eu estava vivendo um inferno astral numa gravidez que deveria ser serena, tranquila, com sessões de yoga e meditação. A frustração de estar tão estressada, com tantos problemas, era uma carga pesada demais pra carregar.

Minha última cartada era Marilena. Demorei tanto pra procura-la por que tinha a certeza que não poderíamos pagar pelo parto. Mas eu já tinha resolvido conversar, expor nossa situação, contar nossa história, pedir e acreditar que poderia dar certo com ela. Ela tinha agenda cheia, então fiquei quase um mês aguardando o dia da primeira consulta mergulhada numa ansiedade que me corroia as vísceras. No dia eu estava mais que tensa. Levamos todos os exames, sentei na salinha de espera e pedi. Pedi para as grandes forças que me concedessem trilhar um caminho, algum caminho. Que me dessem uma luz, era minha última esperança! Eu não suportava a possibilidade de ter o bebê num hospital. Depois das crises de vesícula, da cirurgia, da pneumonia de Maria, hospital pra mim era definitivamente um lugar para se sofrer. Ter meu filho lá seria, na melhor das hipóteses, muito angustiante. Muitas pessoas tinham me falado que ela não topava VBAC domiciliar, eu já estava preparada para essa possibilidade, mas tinha colocado pra mim mesma que precisava ouvir mais essa negativa pra me convencer de não seria mesmo aquele o caminho. Mas ela topou, nós pulamos e nos abraçamos no corredor do consultório. Eu não conseguia acreditar, só agradecia.

Nosso filho ia nascer dignamente, na nossa casa. Achei que fosse relaxar, internalizar pra chegada do bebê e conseguir viver finalmente nesses dois últimos meses minha tão sonhada serenidade pré parto. Ledo engano. Eu tinha uma terrible two, a grana tava sempre curta e eu já estava me sentindo esgotada, arrastando as cargas emocionais de tudo que tinha acontecido nos últimos 9 meses. Essa gravidez me trouxe um distanciamento físico de Thiago que ele jamais conseguiu suportar. Ele se ressentia, a gente se desentendia, nada mudava. Apesar disso, ele manteve sempre seu apoio forte. Se eu me mantive de pé foi muito por causa dele. A gente continuava se amando, eu sabia que, intimamente, essa verdade estava nele tanto quanto em mim. Cheguei à reta final com o parto todo resolvido, exames ok, só pra esperar a hora. Mas tinham tantas, tantas coisas que eu queria fazer. Todas elas dependiam de uma grana que a gente não tinha. Foi uma dura que a vida me deu: tudo que importa já estava resolvido, por que eu tinha de me consumir tanto? O que tinha tanto significado pra me roubar a paz? Essas coisas materiais que eu estava almejando tanto fazer, comprar, pagar, iam valer a serenidade do meu espírito? Nem sempre as coisas são exatamente como a gente quer. Eu precisava aprender isso. Nosso filho ia nascer de modo respeitoso, nós íamos conseguir proporcionar a ele uma passagem serena, humana. Fui me despindo de tantas outras necessidades falsas...

Comecei a me sentir triste por não poder dividir tudo isso com as pessoas da família. Eu não sabia qual seria a reação dos pais de Thiago e sabia exatamente qual seria a reação de minha mãe. Não contar nada tinha sido escolha minha desde o início. Precisava manter isso dizendo que ia parir na casa de parto, 20 dias depois da minha DPP. Foquei em Maria e passávamos tempo juntas conversando sobre Levi, vendo roupinhas e assistindo muitos vídeos. Quando cheguei perto das 40 semanas, ela já sabia todos os detalhes: que o irmão ia nascer na água, que mamãe ia gritar, fazer dodói, mas que ia ficar tudo bem. Eu perguntava pra ela: “Tá na hora do seu irmão nascer?” E ela me respondia sorrindo: “Nãooo!”

Conversava com ele todos os dias não chamando, mas dizendo que o aguardava. Que meu coração estava preparado, que ele desse seus sinais. Tinha começado a tomar as cápsulas de folha de framboesa há 5 dias, meio resistente. Sabia que eu ia sentir falta dele na barriga, queria que ele ficasse mais. Aí, que saudade que eu já tava sentindo. Acabei exteriorizando com Thais que eu também estava com medo de não dar conta de dois, do pós parto, das grande mudanças e isso me fez bem. Comecei a fazer uma sessão de yoga, banho de imersão, chá e meditação com Thiago todos os dias antes de dormir. Na segunda, dia 28 de maio, fomos para consulta de 40 semanas. Chorei no consultório por que os pais de Thiago estavam aqui em casa e só iriam embora 3 ou 4 dias depois. Eu queria parir, queria mandar eles embora. Entrei em atrito com Thiago por isso, por tanas coisas, por tudo... Ele me disse: “Pode ter certeza que eu gostaria de ter feito tudo muito diferente.” Aquilo me calou.

Na consulta tudo ótimo, como sempre. Marilena disse que achava que não passava daquela semana, Thiago disse que também não, eu disse que também não. Então estava resolvido. Mais tarde Chenia esteve aqui, fizemos a barriga de gesso e o chá da Naolí, que tomamos sentados no chão na cozinha. Me senti feliz, aconchegada. As preocupações serenaram.

Eu tava pronta pra chegar às 41, embora eu soubesse que precisava me trabalhar pra chegar mais serena às 42. Fiz algumas programações à longo prazo: tirar fotos na quinta dia 31, sair pra jantar com Thiago no sábado dia 2 de junho, fazer acupuntura na sexta. Resolvi ocupar o tempo. Acordei às 5 da matina e fui com Thiago pro trabalho dele. Enquanto ele atendia, caminhei na praça sentindo o cheiro dos eucaliptos e vendo os pássaros. Começou a chover e fomos pra casa de um amigo. Eles iam fazer uma sessão de surf e eu ia caminhar na praia. Abriu um solzinho frio e eu pensei: “Que gostoso meu filho, um sol para lhe recepcionar!” Fotografei a sessão de surf e Thiago tirou fotos minhas com aquele barrigão lindo. Depois Thiago me deixou na casa de Carla para almoçar. Encontrei lá com Chenia, Manu, e Vanessa. As meninas fizeram uma massa integral divina e Carlinha me apresentou para a fatídica pimenta. Aquela já tinha história de ter feito uma amiga dela parir. Cheirei e comi muito. Conversamos sobre parto, fralda de pano e assuntos do tipo. Me despedi das meninas e fui com Vanessa até a casa dela pra pegarmos a piscina que ela ia me emprestar. Reparei que tava sentindo uma cólicazinha chata, nada significativo. Tomei um banho em casa e fui para uma sessão de meditação e yoga. Lá chamei por ele pela primeira e única vez, forte e bem baixinho: “Vem meu filho!”

Voltei pra casa umas 22 hs, exausta! Conversei com Thiago e disse: “Tô achando que pode engatar alguma coisa aí essa noite.” Pura intuição. Deitei e não dormi. Devo ter conseguido dormir 1 hora da manhã e acordei perto de 3:30. Engraçado que eu acordei, abri os olhos e só depois de um tempo senti um líquido saindo. Chamei Thiago e disse: “Amor, acho que a bolsa estourou!” Como eu sonhei dizer isso!!! A empolgação tava na minha voz. Ele acendeu a luz e quando eu levantei desceu aquela água, não muito, bem clarinha. Fui tomar um banho quente e as contrações começaram na mesma hora. Maria acabou acordando com o movimento e ficamos dançando e brincando no quarto. Eu perguntei pra Maria: “Tá no hora do seu irmão chegar?” Ela me respondeu: “Tááá!”


6 horas liguei pra Chenia e ainda tava conseguindo falar de boa. Avisei que tava indo pra feira e quis saber da programação dela. No carro foi um pesadelo! Ainda tava bem suportável, mas já tava fazendo cara feia e ficar sentada não estava lá muito confortável. Comprei umas frutas e tentei fazer cara de paisagem para o pessoal conhecido da feira. Voltamos pra casa e eu já fui avisando: “Vou direto pra banheiro.” Liguei pra Suzana, uma amiga, ela viria ficar com Flor. A resistência do chuveiro queimou e eu tive de ir pro outro. No meio da casa estavam devidamente instalados: meu sogro, minha sogra e meu cunhado. É Hellen, as coisas não são sempre como a gente quer. Thiago disse que ia resolver, ia avisar pra eles saírem conforme o combinado, por que a história seria de que íamos ficar aqui até chegar a hora de ir pro hospital, ninguém sabia dos nossos planos reais. Eu sentei na bola no chuveiro e avisei: “Amor, vou PRECISAR me desligar de tudo!” Thiago ligou pra Marilena, que ligou pra Suzana (a enfermeira). A gente tinha tentado monitorar as contrações, mas Thiago ficou elétrico, entrava, saía, ligava o cronômetro, esquecia de desligar por que Maria tava por perto. E eu não tava dando a mínima pra aquilo. Liguei pra Chenia de novo já aos berros: “Onde você tá? Não demora!!!” Suzana minha amiga chegou, me abraçou e eu agradeci por ela estar lá. Ela ficaria responsável por sair com Maria caso ela não ficasse bem. Ela me fez companhia e logo depois Chenia chegou. Lembro de não ver exatamente que horas ela entrou, eu já não estava vendo nada com muita clareza. Estávamos dentro do meu quarto, meio escuro e eu me sentia abrigada ali. Não tinha conseguido separar muitas músicas, mas as poucas que eu tinha separado tocavam em loop, não teria sido tão perfeito se tivesse sido proposital. Chenia pressionava e massageava minha lombar e eu estava grata por ela estar ali. Eu a tinha escolhido. Maria entrava, vinha me ver, conversar e eu dizia pra ela sorrindo: “Seu irmão está chegando filha!” Eu conversava entre as contrações e respeitava minhas sensações. Estou com frio, estou com calor, quero água, alguma coisa pra comer. Comi um caqui e tomei água de coco. Não sentia vontade de comer mais nada. Eu sabia que precisava me mexer, mas queria descansar um pouco entre as contrações. Deitei de lado e uma contração me pegou. Céus, nada podia ser pior do que aquilo. Estava respirando e vocalizando bem durante a contração, vi logo no início como aquilo seria importante e me esforcei ao máximo pra incorporar um padrão de respiração equilibrado. Fiquei de quatro debruçada na cama e senti vontade de vomitar. Eu odeio vomitar. Mas respeitei aquela sensação, não resisti e botei tudo pra fora. Nunca me senti tão bem vomitando, como me limpou! Meus canais estavam se abrindo de uma maneira selvagem. Eu ainda estava lutando nesse momento. Chenia me disse: “Você está se debatendo demais na contração, lutando contra, se entrega!” Eu interiorizei, meu corpo precisava consentir, permitir aquela passagem. Eu era apenas o portal. Suzana chegou e fomos fazer um exame de toque. Eu até aquele momento não tinha parado pra pensar no horário, não sabia de quanto em quanto tempo as contrações vinham, nem quanto elas duravam, nem tinha ficado pressupondo com quanto de dilatação eu estava. Essas coisas não me interessavam. Eu estava vivendo cada contração, sem pensar em nada. Mas naquela hora eu ia saber a quantas estávamos. Serenei meu espírito: aceito o que vier. 6 cm. Não comemorei. Ainda tinha muita coisa pela frente. Voltei a me concentrar em mim. Os batimentos do bebê estavam bem. Minha pressão não. Ouvi Suzana dizer: “Chenia, faz um suco de chuchu pra mim?” Não me abalei. Eu tinha certeza de que não era nada, estava me sentindo ótima. Bebi o suco, fiz xixi. Aferimos de novo, normal. Em nenhum momento eu permiti que nenhum sentimento ou pensamento contrário sequer me sondasse, eu estava protegida. Era a oração que eu repeti tantas vezes durante a gravidez: “Mil cairão ao teu lado, dez mil a tua direita. Mas tú não serás atingido...”

Suzana me fez um escalda pés fantástico e uma massagem nos pés que fez Thiago querer alguém pra doular ele também. Cantamos Sabemos Parir que estava tocando: eu tinha feito um ninho pra parir, cheia de energias fortes e mulheres maravilhosas. Chenia me banhou com uma infusão de algodoeiro e quando Marilena chegou eu estava de quatro no banheiro. Ela identificou todos os meus sinais, não precisava de nenhum toque. Fui pra banheira. Dormi entre as contrações debruçada na borda da banheira. Maria entrou na piscina e jogou água em mim com um potinho, fiquei imensamente grata por ela estar bem. Que presente! Thiago segurou minha mão e eu ri depois da contração quando vi que ele tava embaixo da mesa por que era o único jeito de segurar minha mão onde eu estava. Me desconectei totalmente do exterior. Marilena me disse que se eu quisesse ver onde ele estava nós poderíamos ali mesmo. Aguardei um pouco e quis saber sim. Ele estava perto, muito perto. As contrações aumentaram muito e eu já tava dando uns urros de lá de dentro. Expurgando, renascendo, lavando! Não tive noção de tempo, não vi nada do que estava acontecendo no ambiente. A cada contração eu o chamava e ele atendia o meu chamado. Quando eu consegui sentir o cabelinho, uma empolgação tomou conta de mim. A cada contração sentia a cabeça mais perto e aquilo me deu uma força que quando a contração vinha eu dizia: “Vamos lá!” Thiago segurava minha mão pra me dar tração e eu comecei a fazer força de cócoras. Quando senti o cabelinho dele já na água eu ri, não tinha sofrimento! Ele ia nascer. Pedi por uma contração das boas e chamei: “Vem filhooo!” Quando a cabeça coroou consegui não fazer mais força. Fiquei anestesiada, era maravilhoso!!! Quando a cabeça saiu não segurei a vontade e fiz uma forcinha pra sair o corpo. Me valeu a laceração. Ele nasceu lindo! Veio direto pra mim, a irmã ficou encantada, o pai chorou de alegria! Nunca experimentei uma felicidade tão plena e uma vitória tão completa. Minha fé venceu!

Escrevi na parede do meu quarto algumas palavras: amor, instinto, interiorização, entrega e paciência. Fiquei triste quando cheguei em casa terça e vi que meu sogro tinha pintado a parede e apagado as palavras. Mas não teve problema, elas já estavam dentro de mim.

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